Se a vida te dá o pão que o dhiabo amassou, faça torradas e coma com geleia de morango silvestre.
- Mariana milani
- 24 de ago.
- 4 min de leitura
Atualizado: 31 de ago.
Nesse mês de bruxas e mistérios, meio de agosto, meio do desgosto, meio do agouro, trago-vos minha infame saga: se a vida te dá o pão que o dhiabo amassou, faça torradas e coma com geleia de morango silvestre.
Terminei um namoro recentemente (coff, coff, 6 meses atrás) e, de vez em quando, esqueço como fazer “tal coisa”, porque aquela “tal coisa” eu fazia junto com outra pessoa.
(Paragrafo. Um suspiro abafado)

Tipo: como era mesmo a porção pra fazer hambúrguer suculento? 500 g de fraldinha e 500 g de…?
E qual era o nome do balconista que atendia a gente no secos e molhados mesmo?
A alça da leiteira fica frouxa a cada duas semanas, qual era a melhor forma de apertar mesmo?
E nesse movimento de “tal coisa” fazendo falta, percebo que acabei me anulando, soltando a mão da Ana ou parando de fazer “tal coisa” do meu jeito, sozinha, sem perguntar para o outro como faria. Ou só pensava: “Resolve você que é homem, então lide com as tarefas domésticas, ora braçais ora nojentas.”
E lá estava eu, no meu primeiro mês no antro das solteiras, com duas amigas em um bar duvidoso, tomando aquele combão abençoado: tome 2, pague 1 (regurgite 3). E, naturalmente, nesse impasse de mais um copo, a espuma sobe e a língua como uma serpente que dança ao som de uma citara, soltei essa:

- Como vocês lidam com o tempo sozinha? Eu não sei o que fazer quando estou arrastando as chinelas pela casa… parece que me desassociei de mim mesma, quando me vejo no espelho, parece que não me vejo, tipo um drácula que some na frente do próprio reflexo. Não consigo preencher meu tempo numa casa que antes eram dois e agora só é um, ou melhor, uma.
Minha amiga, a canceriana, com os olhos cheios de lagrimas, disse:
- Faz um pão, preenche seu tempo com coisas pequenas, limpa a casa, abre os armários, cuida das plantas, faz um rango gostoso… daqueles que demoram tempo pra fazer, tipo lasanha, doce Napoleão, pernil assado. Algo que leve tempo de preparo, tempo de estudo, tempo de errar, refazer e continuar.
Fiquei pensando no que ela falou, bebi minha cerveja, pedi outra e comecei a planejar algo que realmente levasse tempo…
Cheguei em casa, abri a despensa.
Não tinha nada.
É engraçado como, quando uma pessoa termina, não só o coração fica vazio: a casa, a geladeira, a sala, tudo fica oco, um silencio profundo.
Mas ok.
Vamos lá.
Eu tinha uma missão: parar de encostar na geladeira devorando as torradas do dhiabo e, de fato, descobrir como alimentar meu tempo.
Comecei com o hambúrguer, fui até o açougue e pedi:
– 500 g de fraldinha e 500 g de..... (?)
de ACÉM, me disse o açougueiro Teolbado, me olhando desconfiado, com um olho aberto e outro fechado e um cutelo na mão.
Preparei e ficou meio salgado — acho que exagerei nas lágrimas.
Da próxima, melhoro.
Na semana seguinte, fui fazer um pão de centeio. Passei no Secos e Molhados para comprar fermento, e o balconista (como era mesmo o nome?)…
-Jobson!
Ele se apresentou gentilmente e me ofereceu fermento natural.

Saí de lá com a sacola cheia e apressada para virar a esquina, pegar o bloco de notas e anotar o nome do abençoado. JOBSON, anotei no bloco, da próxima vez eu não esqueço!
Pão feito, o fermento deu um toque especial, gostei mesmo com o ponto ligeiramente passado.
No mês seguinte, acordei animada para fazer algo doce: Napoleão.
Coloquei o avental, comecei a bater ovos e esquentar o leite quando… a miraculosa alça da leiteira se solta.
Puts… qual era a chave certa mesmo?
Abri a caixa de ferramentas herdada da divisão de bens: um alicate enferrujado, chave estrela, chave inglesa e 4 pregos. Nada servia.
Tirei o avental, desci até a loja de manutenção que ele frequentava. Olhei pro letreiro: GURU – pensei, “bem, com esse nome vai me ajudar.”
Mostrei a leiteira, e o dono, Eurico (anotei no bloco), me ajudou a achar a chave certa. Problema resolvido.
Mulher que é mulher não se intimida com nenhuma tarefa… nem mesmo com uma leiteira de alça bamba.
Voltei para a saga do Napoleão. Bati, cozinhei, esquentei.
Deu certo!
- Ora, ora Napolão... perdeu em Waterloo, mas ganhou na minha cozinha.
Hoje, aqui estou eu, comendo o pão que o dhi.... quer dizer, o pão de centeio, fazendo alguns pratos que ora dão certo ora nem tanto e pensando que não vale a pena ficar pensando que não sei fazer “tal coisa”.
Não vale a pena, nem as asas, nem o pássaro que voa no vale.
Estou tentando resolver os problemas do meu jeitinho, sorrindo, sabendo o nome das pessoas antes de chegar no estabelecimento (gloria a Deus existe o bloco de notas), mostrando meus dotes de manutenção geral, descobrindo a Ana que bate na porta a procura da Mari.
Essas duas juntas são como ponteiros que dançam em um compasso de uma zumba mal ensaiada, as vezes lento, as vezes apressado. Tentam correr para se encontrar a cada hora, mas só no badalar do meio dia ou da meia noite se aninham nos braços uma da outra — como velhas amantes que se encontram às escondidas.
A escutar o cucu,
Marimi









Amei, Mari!!! Dei umas boas risadas e senti meu coração se encher de uma cumplicidade estranha, a cumplicidade de quem também se perdeu enquanto caminhava de mãos dadas com outro. Que a gente se encontre, com a parte de nós que perdemos, com tudo que deixamos de aprender. E eu senti uma vontade tão grande de sentar e tomar um café contigo ❤️